6.6.14

Soneto Quebrado (II)

Não saber nunca
como começar
ou acabar.
Ter sempre certo
que fazes tudo
mal feito.
Uma bela porcaria
ou só outra brincadeira,
para as palavras
ter certo jeito
já se sabe não ser
qualificada garantia.

Há quem lhe chame poesia,
chamemos-lhe Fred Astaire.



Da série Chamemos-lhe Fred Astaire.

5.6.14

Ombro dela

Nunca escorreguei
na Feira do Livro
mas lembro-me de chover (e muito)
e não teres trazido guarda-chuva
e me teres dito, abraça-me,
e eu te ter sorrido,
descendo seguro
pela feira vazia.



Da série Chamemos-lhe Fred Astaire. 

4.6.14

Um perdigoto

Um perdigoto
pode não dizer toda a verdade
mas torna escorregadio
aquilo que se diz
e mais ninguém ouve.
Mais ninguém me ouve.



Da série Chamemos-lhe Fred Astaire.

3.6.14

O gato Leão

A última vez que tive uma sexta-feira
ainda não conhecia um gato chamado Leão
que corre telhados e come nêsperas
e rosna aos cães como se, largada a selva,
tivesse aceitado emprego melhor
como rei do meu quintal.

Da vizinhança é ele o único a comer nêsperas
daquela árvore que cresce em terra de ninguém
e larga folhas para o cimentado chão
das traseiras do prédio. Eu invejo-lhe
as frutas e os telhados e os saltos,
mas a sexta-feira, não.



Da série Chamemos-lhe Fred Astaire. 

2.6.14

Chamemos-lhe Fred Astaire

Absinto-me mal
quando
armado em jogral
trago
gente fenomenal
a esconder
o meu eu mais banal.

Mas também Fernando Pessoa escreveria um mito, em lugar de Lily Allen, como referência sonora de um poema que ignora o bom gosto musical.


Da série Chamemos-lhe Fred Astaire.