28.6.13

Rasgo

Rasgavam-se as camisas
e era o vento.
As ideias espalhadas
como mensagens
que ninguém lê.
Rasgavam-se as cabeças

e era o vento.

27.6.13

Luz

Sinal de aurora
nervo preciso
no extremo da lâmina

Uma seara
um pássaro escuro
grito sereno

Corpo lívido

luz

26.6.13

Dor

O que sabes da dor
é pouco mais
que a sua origem.

O que sabes de ti
é bastante menos
do que isso.


25.6.13

O verão era

O verão era um labirinto
podias entrar
mas não sair
até que todas
as paredes
caíssem
de gastas
e tu
estivesses já
bem para lá
de tudo isso.

24.6.13

Estrada secundária

Baixou já o sol
sobre a terra
mas ainda não
o nome das coisas

Por uma estrada
secundária
movem-se, lentos,

olhares de sono. 

21.6.13

20.6.13

Calhau


Um dia dediquei-me a plantar
calhaus sobre o oceano
sem pensar que o futuro
me obrigaria a colhê-los.

O tempo nada sustém
e eu com ele vou.

Um dia dediquei-me a colher
os calhaus do oceano
sem pensar que o passado
não era responsabilidade minha.  





19.6.13

Pedra


Um coração feito pedra
só aspira ao infinito
calcado ininterruptamente
por aqueles desdenhosos
que não entendem
o bater das sensações

Um coração feito pedra
não repousa:
só sofre brutalmente
sem mais nenhuma esperança
para lá de um risco à superfície
feito pelos dedos dos amantes. 




18.6.13

Pureza


Delimitem-se as águas
as turvas das límpidas
as bruscas das serenas
procure-se só a pureza
do que tem mínimos
os traços.

E depois
deixe-se que o mundo 
acabe.



17.6.13

Separar



Separei a pedra da pedra
reparti o corpo
inventei a morte

em tudo deitei sal

e algures no infinito
como um coração que bate
ele voltou a nascer



14.6.13

Intervalo

Faço dois fim-de-semanas alargados de seguida e deixo tudo em suspenso para uma próxima vida. Uma vida que já não será minha quando eu voltar. Tudo será diferente, talvez não para melhor. E o que me alivia é o facto de eu estar, mesmo, a cagar-me para tudo isso.

13.6.13

Ressaca

O Santo António foi visto esta noite, amparado por dois jovens, a fugir do carnaval. Levava baton borrado perto dos lábios, o cabelo em desalinho. Não atende o telemóvel, não está para aturar seja quem for. Espera, enquanto o corpo vai soluçando sobre uma cama que mal conhece, que seja já de noite quando levantar o estore.

12.6.13

Simulação

Não perguntes o que poderias fazer por mim. Eu não quero. Não é isso que eu compro de cada vez que te pago um café. Enfio a cabeça no jornal e tento simular uma vida normal. A esses tudo se permite. Existam filhos, familiares, empregos das nove às cinco. Não perguntes o que poderias fazer por mim. Eu não quero.

11.6.13

Rewind - Play

Recebo-te uma e outra vez, as portas sempre fechadas e os olhos bem abertos, sem que nada eu possa ver. Recebo-te uma e outra vez, podias ter percebido como é triste esta repetição eterna dos mesmos discos pedidos, das mesmas dores no corpo, das mesmas sensações. Talvez tudo esteja gasto. No entanto, recebo-te uma outra vez.

10.6.13

10 de junho para sempre

Todos temos algo que chorar, é normal, mas se o teu coração, estrangeiro, pede uma revolução, enche-o de ar e deixa-o rebentar nas tuas mãos. Todos temos algo que chorar, é normal.

7.6.13

Vida

O sentido é procurar sempre algo novo, sobre o qual possas estender as tuas experiências. Repetir, o mesmo, até ao infinito, não é solução. Ponto.

6.6.13

Isso

Assim indefinido como isso. Fazer um resumo de uma semana que não existe. Compor uma música que não se ouve. Provar qualquer coisa que não se pode tocar. Enfim. Escrever o que não pode ser escrito na vida.

5.6.13

Morte

Já estou velho. Ainda sou novo. Porque os filhos. O marido. Coisas de família. Falta de vontade. Não sei bem o que quero. Aceito qualquer coisa. Não sei como fazer. Não sei como aguenta. As coisas estão como estão. Eu não estou para isso.

4.6.13

Armas

A palavra é uma arma com que podes atirar à cara de alguém. Também a podes sentir, sussurrada entre dentes, a afiar-se penetrante nas tuas costas. Assim se fazem das palavras rios de sangue metafóricos: gente que ainda caminha pela rua, mas já morreu.

3.6.13

Guerra Civil

Deixámos, há algum tempo, a civilidade. Provavelmente, à porta de algum Centro de Emprego. Na sala de espera, já os olhares são pesados e os corpos tensos. Entras para uma sala e o discurso eleva-se: as vozes serram como máquinas, as posturas ruborizam-se, as razões vão-se perdendo na procura de se ter sempre razão. Vivemos numa guerra entre civis, perdidos que estamos dos nossos lugares no mundo. Por sorte, poucos temos armas.