27.4.12

Ele agora está velho - V


A Maria Aparecida tinha o seu feitio, mas isso que me está a dizer parece realmente muito exagerado. A mãe dela morreu quando ela era ainda pequenina, tinha sido sempre muito fraca dos nervos e a gravidez não lhe fez nada bem. Aliás, a terceira gravidez, porque há o irmão mais velho e tinha havido pelo meio outra barriga que se ficou. Foi aí que a mãe ficou pior. Depois ainda engravidou da Maria Aparecida, mas foi contra a vontade dela. Por ela, não queria mais filho nenhum. Mas o patrão, sabe como são os homens. Só um filho não chegava. Era preciso mais gente na casa. Ela ficou muito frágil quando a criança nasceu e morreu pouco depois. A Maria Aparecida cresceu numa casa de homens, era uma revoltada. Queria ser como eles, fazer o que eles faziam, o pai ainda a tentava segurar, mas aquilo era um feitio que ela tinha de pequena, criada no meio dos homens, não era nada menina. Era é muito bonita. Mesmo muito bonita. E o pai preocupava-se com isso, porque vinham para aí os primos de Lisboa e os outros rapazes, e uma moça daquelas assim bonita, criada no meio de homens, o pai tinha medo do que saísse daquela cabeça. Então, parece que a prendia no quarto ou assim, e ela quando saía vinha louca, ia para a rua, queria ver tudo, sentir tudo, fazer tudo, era assim uma rapariga bem diferente das outras. A única pessoa com quem ela acalmava era ele, isso sim. Ela passava na loja, conversava com ele, ficava quieta. Ele sabia falar-lhe, sabe? Ele sabia o que ela queria ouvir, tinha-lhe o jeito. E ela gostava. Se calhar era o único homem que lhe falava como se ela fosse um homem também. Era isso que ela gostava. Mas é claro, não podia casar com ele, nem eu acho que ela alguma vez tenha pensado nisso. Ele era um amigo, o rapaz com quem ela falava. Para as outras coisas, bem, começou a abrir os olhos e assim, começou a arranjar-se de maneira diferente, devia ter dezasseis anos ou assim, já era uma mulher. O pai preocupava-se mas qual é o pai que não se preocupa? Quando ela foi para Beja viver com a tia, para estudar, lá conheceu esse rapaz e marcaram o casamento. Para o pai foi um alívio. Não, acho que o despedimento não teve nada a ver com isso. Eu cá acho que não.